Artigo originalmente publicado na Revista Espaço Rural
O ponto de partida para a reflexão sobre as políticas que visem a fixação de jovens agricultores deve responder primeiramente à seguinte questão “que agricultura teremos na Europa dentro de 30 ou 40 anos?”
Tendo em conta a estratégia que tem sido seguida pela Comissão, sob a liderança de Ursula van der Leyen, a resposta leva automaticamente a uma reflexão tragicamente rápida. Mas a negação da tragédia a que se devem dedicar as organizações representativas dos agricultores (e, no caso, dos jovens agricultores) faz-nos acreditar que a agricultura tem futuro e que temos hoje, já tarde, de inverter a política no sentido de garantir os empresários de amanhã.
Em primeiro lugar, identifica-se uma grande oportunidade para quem quer abraçar o setor primário como carreira: o crescimento da população. Em 2050 seremos quase 10 mil milhões de pessoas no planeta que, salvo melhor opinião, necessitarão de comer. Acrescido a isso, muitos dos países hoje subdesenvolvidos verão crescer as suas classes médias, alterando perfis de consumo, requestando não só mais alimentos como produtos de maior qualidade.
Mas para a Europa, e Portugal em particular, ser capaz de produzir para esse novo mundo, importa que haja uma verdadeira vontade política de reverter o diagnóstico que atualmente é feito: apenas 0,80% dos agricultores europeus têm menos de 25 anos; apenas 20% têm menos de 44 anos; apenas 66,88% têm menos de 64 anos! Não pode haver grande futuro num setor que tem 1/3 dos seus ativos em idade que noutro qualquer setor seria jubilatória.
Estes números agravam-se quando observamos os países mediterrâneos.
Quando analisamos as causas para esta falta de atração do setor para os jovens, duas se destacam: a dificuldade no acesso à terra e a dificuldade no acesso ao crédito. Se a primeira é sentida de forma transversal em toda a Europa numa intensidade mais ou menos semelhante entre todos os Estados-Membros, a segunda varia de escala de forma significativa de país para país, sendo um problema mais gravoso nos países do sul da Europa (pasme-se, nos PIGS, onde há poucos anos se vivia “acima das possibilidades” por culpa da desregulação da banca).
Este fator – da dificuldade de acesso ao crédito – é, sem dúvida, um elemento de distorção da concorrência interna na União, que tem de ser tido em linha de conta na política agrícola comum.
Daqui também não se exumam de responsabilidades os Estados Membros. No caso português, e no caso da pecuária, a somar à dificuldade ao acesso à terra e ao crédito, há ainda a ter em conta a complexidade, morosidade e ineficácia de todo o processo de licenciamento que pura e simplesmente torna inviáveis os investimentos em modernização, adaptação e ganho de escala, impedindo a adoção de medidas que se traduzam em capacidade exportadora, melhoria do nível de bem-estar animal das explorações e melhores sistemas de gestão de efluentes, travando igualmente a necessária renovação geracional do setor.
Os desafios para o futuro são os mais complexos com que o nosso setor alguma vez se deparou: as alterações climáticas, a escassez de recursos naturais, a mudança da natureza do trabalho, a continuada urbanização e os problemas sanitários humanos, animais e vegetais desafiam a forma como produzimos alimentos, sendo condição elementar fazê-lo de forma sustentável e ao mesmo tempo eficiente.
Foi dessa forma que a Europa se notabilizou por fazer desde há vários anos. Foi dessa forma que a Europa se manteve competitiva com bacias de produção com melhores condições de acesso aos recursos naturais e aos serviços energéticos. Foi assim que a Europa se tornou um bastião da segurança alimentar, produzindo mais com menos.
Mas é essa competitividade que o Farm to Fork tem vindo a desbaratar. No setor que melhor conheço, o da carne de porco, passamos de 119% de autossuficiência no espaço europeu em 2019 para os atuais 108% e com tendência a diminuir drasticamente nos próximos anos, correndo o risco de passarmos de excedentários a importadores a muito breve trecho.
E com isto pomos em causa, precisamente, a sustentabilidade da produção. A Europa não está a conseguir ser um agente influenciador do mundo, está antes a ser um agente promotor dos mercados de produção americanos.
Com todas estas alterações que estão a ocorrer no mundo, a renovação geracional é mais do que um desígnio, é uma necessidade para a sobrevivência da agricultura europeia. Nesse sentido, as cooperativas são uma parte nuclear da resolução do problema, desde logo como agentes facilitadores do acesso à terra, ao crédito e no ganho de escala e de eficiência, com os olhos postos nos mercados terceiros.
Com isso, volto ao início, é preciso fazer mais pelos jovens agricultores europeus e é preciso que a Europa tenha bem claro se daqui a 30 ou 40 anos quer continuar a ter produção primária.
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