O que têm Lagarde, a Comissão Europeia e as tascas de Almeirim em comum? Aparentemente tudo.
Em junho, a presidente do BCE veio a Portugal anunciar que para “quebrar a persistência da inflação” era preciso que milhares de europeus deixassem de ter condições para pagar a sua habitação, reagindo com um “azarucho” quando perguntada sobre os impactos da subida das taxas de juros em países onde a maior parte dos créditos estão indexados a taxas variáveis, como é o caso português. Justificou ainda a necessidade de insistir nesta medida com o facto de, lamentavelmente, a taxa de desemprego não aumentar, apesar do abrandamento do crescimento económico, resultando em aumentos salariais.
Ainda no seu discurso proferido no Fórum Anual do BCE em Sintra, Lagarde relacionou o débil crescimento da produtividade com o aumento do emprego em setores com um crescimento da produtividade estruturalmente reduzido, como é o caso da construção civil, da agricultura, da administração pública e do turismo.
Como é sabido, a Europa tem um problema demográfico estrutural generalizado e, apesar de vestirem uma capa de humanistas, os tecnocratas europeus vêm na imigração a única possibilidade de dar resposta a essa constante procura por parte de setores menos especializados, flexibilizando assim a “política de portas abertas” de acordo com as necessidades.
A alternativa era fomentar a natalidade, mas, bem vistas as coisas, um imigrante sai mais barato e é menos difícil de aturar que um filho.
Aqui importa fazer um ponto para não me atrever a ser mal interpretado: bem ou menos bem-intencionada, ainda bem que a Europa adotou uma política de abertura à imigração. Ainda bem que vivemos num espaço político que acolhe, que integra e abre as portas a quem apenas quer ter e oferecer uma vida melhor a si e à sua família. Se a guerra, a pobreza ou a opressão batessem às nossas portas, não nos imaginaríamos a sair por elas afora?
Apesar disso, há uma irreconciliabilidade inevitável entre a política social da Comissão e a política económica do BCE. É mais difícil recebermos alguém em nossa casa se ficarmos sem a casa e, até para evitar a perpetuação de estereótipos de género, seria de todo fundamental que as doutoras von der Leyen e Lagarde conversassem e harmonizassem as suas estratégias. Caso contrário, vai correr mal para alguém e não será para elas, nas suas bolhas de intangibilidade forradas a Hermès e Chanel.
A habitação é, pelos dias de hoje, a ponta do icebergue dos problemas sociais que o pós-pandemia trouxe (ou que agravou) mas, como qualquer icebergue, 7/8 dos problemas ainda não estão visíveis e a tendência é virem a ser agravados com o prolongar da guerra na Ucrânia.
Nesse cenário, as tensões sociais vão ser cada vez mais evidentes e, curiosamente, sempre dirigidas às classes mais desfavorecidas. Talvez porque a nata da nata se feche com as melgas na Comporta e daí para fora ficarem os remediados a competir com os pobres.
Por cá, a globalização chegou-nos à porta e trouxe as suas consequências, as boas e as más. Não atribuamos os episódios ocorridos durante as festas da cidade como prova de dificuldades de integração de determinadas comunidades. Alguém que se envolva numa altercação numa festa com cerveja e touros em pleno Ribatejo está mais do que integrado…
Por isso, sejamos empáticos, ajudemos a criar laços e a partilhar o que de melhor a nossa comunidade tem para oferecer, não sem pedirmos responsabilidades a quem as tem. Só temos a ganhar na construção de uma comunidade multicultural. Para isso temos de reivindicar a quem dirige o nosso destino coletivo o devido lugar para todos.
A primeira regra para andar para a frente é que ninguém fique para trás!
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